Ela tirou a
bandeira devagar, colocou o suporte que assegurava sobre a caixa d´água e não
embolou, enrolou-a carinhosamente, sorriu discreta e acariciou-a como se
acaricia os cabelos de uma pessoa amada. Mas ela ama a bandeira. O toque sereno
e suave sobre o verde e amarelo demonstrava o amor. Ela tirou como quem não vai
voltar para colocar. A sacola recebeu o manto, fez barulho como faz e abraçou
os braços da senhora que talvez acreditasse que aquela poderia ter sido sua
última Copa do Mundo.
Me fiz de cego
olhando fixamente, ela me viu e eu não quis vê-la. Desci as escadas com os
tênis que fui buscar na laje e fiquei pensando quantas Copas vou suportar. Dói
esperar, dói cada vez mais subir esses degraus, dói ver o que vi, dói imaginar
que um dia também posso recolher a bandeira da laje pela última vez. Quantas
Copas vou suportar? Já se foram algumas, bem menos que a senhora vizinha. Como
sei? Seu físico entregava. Para subir na laje com toda aquela dificuldade
algumas Copas já tinham passado.
Eu não suportei
e chorei a morte da velha que ainda está viva. Sorri vendo ela novamente pelas
janelas do segundo andar e sorri de novo lembrando que ela poderia estar mais
feliz do que eu. Ora por que! Ela viu e eu não vi um negro rei jogar. Ela sabe
o que é um furacão e eu não vi nem vento similar. Ela talvez estivesse no
maracanaço e eu chorei por causa de um Melo qualquer. Ela sabe o que são pernas
tortas e eu me contento com algumas cabeças duras. Ela ouviu pelo rádio um tal
Telê e eu briguei com um anão que quis ser príncipe e inverter os contos
infantis. Sócrates, Zico, Júnior, Falcão, eu só tenho no álbum, ela deve ter na
imaginação.
Definitivamente
eu não devo chorar. Ela deve estar rindo de mim. A senhora viu tanta coisa que deve
ter dó do que eu ando assistindo e torcendo. Perdi. Ela tirou a bandeira e eu
tiro meu time de campo. Feliz é ela, eu sou apenas um vizinho curioso.
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