O barulho da fábrica, que não para nunca, o cheiro do café, o galo cantando no terreiro, a lenha no fogão e os passos do vovô no corredor. Não era um dia comum, muito menos azul na folhinha, era vermelho no calendário, era domingo.
Hora de acordar, enfrentar o chão da Beira da Linha com o sapato novo, atravessar a ponte, jogar pedras no rio, limpar o sapato e ir rezar, de joelhos, de mãos dadas, sob o olhar atento do vovô. Amém, a gente saia correndo e ficava “lutando” na pracinha enquanto “sô Tião” comprava o pão na quintada do sô Zizinho.
Ele parava no jogo de “Maia” e a gente corria para casa, corria para ver ele correndo. A “senna” se repetia quase todos os domingos. E que domingos! Acabava a corrida, que a gente sempre ganhava, e a tampa da panela do feijão se transformava em volante, a poltrona da sala o banco do carro e a irmã mais nova era a responsável pela bandeirada prosseguida pelo puxão de orelha daquela tia ranzinza.
A gente então pulava para fora da poltrona, saía da casa e adentrava o campinho. A bola chegava, a turma dividia os times, mas a gente não queria ser Romário, nem Bebeto, mesmo dentro do campo. A gente queria ser Senna, Ayrton Senna da Silva. A gente queria a bola, mas a gente queria acelerar atrás dela, fazer gols e sair dirigindo um carro de Fórmula 1. O domingo era uma “senna”, todo o domingo, todos os domingos.
Saíamos do campo, lavávamos as mãos, servia-se o almoço, lembrava daquele frango, que estava gritando de amanhã e que agora estava no prato, e imitava um carro com o garfo até chegar à boca. Nada de aviãozinho, era carro mesmo, uma “senna”. Comia o doce, acelerava da mãe que queria os dentes escovados e caía no sofá. Brincava, narrava corridas e tomava banho depois de uns tapas e lembrava o Senna correndo na chuva.
Deitava todo mundo na sala, o cheiro do café retornava e o Fantástico, além de ver aquela família reunida na casa da vovó, era ver o Senna de novo. O cara narrava, a gente sorria e o vovô, que não tinha visto, vibrava, era como gol. Eram os nossos domingos, que já nem sabemos onde estão.
E se finalizavam assim: passavam os gols, a gente escondia debaixo das cobertas com medo da zebrinha e os braços calorosos nos carregavam para a cama. Ah… onde estão aqueles domingos?
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